No nosso caso, em que o próprio regime político é criminoso e
a democracia é racionada, é necessário periodicamente reinventar os
crimes políticos
Por Lincoln Secco, no Blog da Boitempo
“O criminoso não produz apenas crimes,
mas ainda o Direito Penal (…). O criminoso produz ainda a organização
da polícia e da Justiça penal, os agentes, juízes, carrascos, jurados
(…). Somente a tortura possibilitou as mais engenhosas invenções
mecânicas e ocupa uma multidão de honestos trabalhadores na produção
desses instrumentos”.
(Karl Marx, Teorias da Mais Valia).
(Karl Marx, Teorias da Mais Valia).
No dia 10 de fevereiro ocorreu a lamentável morte do cinegrafista
Santiago Ilídio Andrade atingido numa manifestação no Rio de Janeiro.
Imediatamente vozes da imprensa se ergueram contra os manifestantes que
agridem (sic) a polícia e agora até jornalistas! Na tribuna do senado
homens “probos” como Renan Calheiros pediram a prisão de manifestantes e
os telejornais ressuscitaram o projeto de lei contra o “terrorismo”.
Este é um momento delicado porque a Direita acredita que tem um mártir.
Mentiras
Não é verdade que manifestantes saem às ruas para atacar pessoas. Os
ataques são sempre ao patrimônio simbólico de grandes instituições
financeiras. Simbólicos sim porque uma vidraça quebrada tem praticamente
custo zero para tais empresas. Obviamente que ao serem acuados,
agredidos, atropelados (como uma jovem de 18 anos em São Paulo),
baleados (como outro jovem na mesma cidade), perseguidos aleatoriamente
por pura vingança, os manifestantes reagem: quebram catracas, ônibus e
atiram pedras nos policiais em legítima defesa.
Indignação Seletiva
Quando Douglas Martins Rodrigues, 17 anos, foi morto pela PM no
Jaçanã, zona norte de São Paulo, grande parte da imprensa tratou da
revolta espontânea da população local como “vandalismo”. E quem se choca
com milhares de mortes de pobres nas periferias todos os anos?
Lei Celerada
Nada disso justifica matar um cinegrafista. Mas esta morte também não
justifica uma lei criminosa. Em junho de 1927 o Presidente Washington
Luiz apoiou a chamada “lei celerada” que criminalizava protestos
públicos e greves. Houve intervenções nos sindicatos e os anarquistas e
comunistas foram presos. Aos “tenentes” no exílio ou na clandestinidade
lhes foi negada a anistia. E assim tudo correu bem até que a chamada
“Revolução de 1930” varreu aquele presidente do poder. Em São Paulo a
população invadiu e depredou a chamada “Bastilha do Cambuci” onde os
presos políticos eram torturados.
É evidente que depois ingressamos em nova forma de dominação.
Terrorismo?
A lei contra o terrorismo é tão
estapafúrdia, causa tanto horror nos meios jurídicos progressistas que
precisa buscar exemplos tão frágeis quanto o de inventar uma
“organização criminosa bloco negro”. Que ela não existe a polícia já
sabe, é óbvio. Qualquer um pode empregar esta tática. Mas como o Estado,
a grande imprensa e alguns estudiosos do Direito Penal, a Polícia
também vive do crime.
No nosso caso, em que o
próprio regime político é criminoso e a democracia é racionada, é
necessário periodicamente reinventar os crimes políticos. A fachada
democrática atual ainda não permite que sejam tratados enquanto tal. É
que na verdade tais crimes sequer existem. Por isso, é preciso
inventá-los. Afinal, como se justificariam os batalhões de choque sem os
temíveis blocos negros?
Fonte: Revista Forum