domingo, 12 de janeiro de 2014

A violência psicológica contra mulheres é um problema naturalizado

Os resultados de uma recente pesquisa do Instituto Avon sobre violência doméstica vêm rodando pela internet – mas entre tantos dados pertinentes e preocupantes, há um ponto especial que geralmente passa batido: os abusos psicológicos, verbais e emocionais. Segundo os resultados, uma porcentagem assustadora de 56% dos homens entrevistados admitiram ter tido atitudes violentas contra mulheres. Algumas formas de violência citadas incluem xingamentos, humilhações públicas, ameaças verbais, empurrões e proibições de sair de casa em algum momento, sendo os xingamentos os mais prevalentes.

A Psicologia trabalha amplamente com a questão dos abusos verbais. A quantidade de publicações relacionadas ao tema é vasta e a maioria dos profissionais concordam que xingamentos dentro de relacionamentos românticos são sinal de péssimas consequências. Grande parte das demandas clínicas e de saúde mental envolvem violência psicóloga, crises de ciúme e o podamento da liberdade do parceiro. É importante perceber que essas demandas são mais frequentes entre as mulheres e as estatísticas só servem para confirmar o recorte de gênero.
O fato de que as mulheres são as maiores vítimas dos abusos psicológicos chama atenção para o machismo da sociedade (Flickr/Christopher Michel)
Mas não é necessário ser profissional ou estudante de Psicologia para compreender as consequências catastróficas dos abusos verbais. Casos de violência física e feminicídio muito frequentemente começam com xingamentos, manipulações e chantagens, formas de violência que não aparentam ser tão graves no começo, mas que pioram gradativamente. As narrativas são muito semelhantes e o agressor que esmurrou ou espancou sempre começa com comentários depreciativos, muitas vezes devido a crises de ciúmes.
No entanto, as mortes e hematomas não são as únicas consequências que os abusos verbais precedem, pois a violência psicológica e emocional causa outros problemas gravíssimos. Um comentário depreciativo é o suficiente para agredir a autoestima e a percepção de valor próprio do alvo, várias vezes minando sua vontade de viver. Gestos e palavras agressivas transformam uma mulher em um rascunho de ser humano, perdida na dependência emocional e sem forças para enxergar uma realidade melhor. Os termos e chantagens são tão pesados que fazem com que a vítima não consiga entender que merece um relacionamento feliz, já que aquele contexto de sofrimento se torna o padrão, a única opção.
Um dos fatores que dificultam solucionar os relacionamentos abusivos é que os abusos são, quase sempre, encarados como coisas normais dentro de um casamento, que “fazem parte da vida”. O discurso conformista é praticamente unânime. No entanto, permitir que a sociedade continue encarando brigas violentas, físicas ou verbais, como coisas indissociáveis dos relacionamentos, é uma colaboração com os intermináveis crimes misóginos. Se todos os comportamentos humanos acontecem devido a influências de suas raízes culturais, é óbvio que o modo como as pessoas lidam com os problemas no campo emocional é a própria base da violência doméstica. Não adianta tentar impedir os espancamentos e estupros, mas continuar se omitindo quando um casal discute e o homem dispara uma bomba de termos chulos, palavrões e críticas cruéis contra sua esposa.
O fato de que as mulheres são as maiores vítimas dos abusos psicológicos chama atenção para o machismo da sociedade. São as mulheres que crescem sob demandas violentas, sendo pressionadas a suportar toda espécie de xingamento, controle sobre seus corpos e podamento de suas liberdades. Os axiomas de sensibilidade, compreensão e cuidado continuam empurrando o sexo feminino para uma história única, sem variações significativas: ao invés de serem responsabilizados por seus atos, os homens problemáticos precisam de cuidado e compreensão, pois considera-se que somente uma mulher amorosa pode ser capaz de transformá-lo. Até parece um conto de fadas, só que nesses casos é a mulher que precisa ser maternal e se anular enquanto sujeito para salvar o homem de seus comportamentos impulsivos e desonestos.
Para além das idealizações, a resignação em um relacionamento infeliz é frequentemente exigida das mulheres. É por isso que quando são envolvidas questões de classe e religião, a manutenção do status econômico e a reputação na comunidade espiritual funcionam como correntes que mantêm as mulheres presas aos abusos – afinal, “o amor tudo suporta, tudo espera”. Tal constatação é extremamente preocupante, pois a sociedade pressiona e coage o gênero feminino a permanecer com maridos e namorados abusivos, mesmo que reconheçam que o homem está passando dos limites; a expectativa é de que com paciência tudo se resolva eventualmente.
Relacionar o amor com a tolerância ao machismo adoece os relacionamentos, tornando-os venenosos e perigosos. A sociedade induz as mulheres a se transformarem em mártires, e sob a pena de serem consideradas infiéis, vadias e negligentes, muitas delas se conformam com os relacionamentos abusivos. Não é à toa que se espera a desistência da autonomia por parte da mulher quando a mesma se diz apaixonada. Além disso, o sexismo ligado aos papéis de gênero contribui fortemente na manutenção dos abusos: os discursos culturais giram em torno da “irracionalidade” feminina e de como estão supostamente exagerando quando reclamam de atitudes dos parceiros. Desse modo, é fácil invalidar as denuncias das mulheres, pois se são cegas emocionalmente e sempre reclamam de tudo, nada garante que o homem está de fato sendo violento. É por isso que testes como este são tão importantes, sendo uma ferramenta acessível para que mais mulheres em relacionamentos possam pensar se sofrem risco de abuso.
É preciso alertar homens e mulheres sobre o que configura abuso emocional e psicológico e controle sobre a outra parte, como quando o parceiro passa a se incomodar com as roupas que a mulher usa, suas amizades ou locais que frequenta. Se um homem chega ao ponto de impedir a saída da mulher e o contato com outras pessoas, é porque ele está sendo abusivo e machista, tratando-a como um objeto sob seu controle. Lamentavelmente, a sociedade custa a entender isso e levanta muitos argumentos para justificar tais atitudes. As pessoas se acostumaram com o cerceamento, principalmente quando o sexo feminino é que está sendo cerceado.
Muitas mulheres não sabem que estão sendo vitimadas e permanecem condenadas a um cotidiano de violência. Por isso, é importante nos politizarmos e passarmos a nos posicionar a respeito da violência de gênero. Conscientizar a população sobre a violência psicológica e emocional deve ser prioridade, combatendo a menor manifestação de abuso contra qualquer mulher.

*O teste foi retirado da página Machismo Nosso de Cada Dia no Facebook. Outros testes similares são distribuídos em cartilhas do governo em todos os estados do Brasil.

Fonte: http://revistaforum.com.br/questaodegenero/2013/12/11/a-violencia-psicologica-contra-mulheres-e-um-problema-naturalizado/

quinta-feira, 2 de janeiro de 2014

Entidades dizem que 2013 foi marcado por embates na educação




Brasília - Em 2013 ficou decidido que 75% das receitas da União do petróleo e 50% do rendimento do Fundo Social do pré-sal serão investidos em educação, o que vai conferir, em 2014, R$ 1,4 bilhão a mais para o setor. Foi um ano de expansão de matrículas e de bolsas e anúncios, como o início do Pacto Nacional pelo Fortalecimento do Ensino Médio. Mas foi, também, um ano de embates. O Plano Nacional de Educação (PNE), completa mais um ano de tramitação, sem conclusão no Congresso Nacional. A Agência Brasil conversou com representantes de entidades sobre os avanços em 2013 e desafios para 2014.
"Quando a gente olha para outros anos, a educação teve mais 'grandes momentos'. Este ano acaba melancólico, com a votação, no Senado, do PNE. Ficamos frustrados", diz a diretora-executiva do Todos pela Educação, Priscila Cruz.
O coordenador-geral da Campanha Nacional pelo Direito à Educação - rede composta por mais de 200 organizações em todo o Brasil -, Daniel Cara, diz que 2013 foi um ano de conflitos, até mesmo em pautas que a sociedade civil conseguiu impor a vontade, como na questão dos royalties. Embora a porcentagem (75%) para a educação tenha sido inferior à defendida pelo governo (100%), o montante total será superior.
“A conquista dos royalties foi importante, mas o processo foi traumático. Também no PNE, tivemos um clima de rivalidade entre o governo e a sociedade civil”, disse. “O papel da sociedade civil é exigir mais direitos e acesso à qualidade. Pode-se abrir uma enorme margem de negociação, mas não podemos abrir mão de uma matrícula que tenha qualidade”, destacou Daniel Cara.
O ano, no entanto, trouxe ao menos expectativas positivas para 2014. Para o vice-presidente do Conselho Nacional de Secretários de Educação (Consed), Cláudio Ribeiro, o Pacto Nacional pelo Fortalecimento do Ensino Médio trará melhorias. “A formação de professores é investimento que vale a pena ser feito. É impossível aperfeiçoar e avançar sem investir na capacitação e formação continuada dos professores”, diz. A expectativa é que todos os estados façam a adesão ao pacto.
A ação deve contribuir para uma melhoria nos indicadores da fase de ensino. Terão ênfase também estratégias de ensino que envolvam as novas tecnologias, como tablets, distribuídos aos professores do ensino médio. “Tem que ser levado em consideração que a juventude de hoje não é a mesma do século passado. É preciso ter uma visão diferente do papel do professor”.
No âmbito da educação infantil, a presidenta da União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime), Cleuza Repulho, destacou o Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa (Pnaic), começou a ser implementado este ano. O pacto prevê que toda criança deve ter alfabetização em português e matemática até os 8 anos de idade. “A experiência com o pacto é extremamente positiva. Fizemos a formação dos professores e agora aguardamos os resultados”.
Este ano foi realizada pela primeira vez a Avaliação Nacional da Alfabetização (Ana), aplicada no terceiro ano do ensino fundamental, fim do ciclo de alfabetização. Os resultados devem ser divulgados em março, segundo o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep). “A avaliação vai mostrar o impacto da alfabetização e como temos que nos preparar para o próximo ano”.
Entre as instituições particulares, a educação também avançou, segundo a presidenta da Federação Nacional das Escolas Particulares (Fenep), Amábile Pacios. No entanto, não foi de maneira uniforme, ainda há escolas e instituições de ensino superior que precisam avançar na qualidade. “É preciso ter uma meta e ajudar as empresas que estão com dificuldades em oferecer um serviço de qualidade. Isso deve ser feito independentemente do estado onde estejam”.
Ela criticou os ranqueamentos do ensino feitos pela imprensa. Tanto das médias de desempenho no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), quanto do Exame Nacional de Desempenho de Estudantes (Enade). “O ranking vende para a sociedade que a instituição que vai bem nas avaliações é a melhor escola ou faculdade. Nem sempre a que vai bem é a que faz diferença na vida do aluno, que faz com que ele saia melhor que entrou. O ranking gera uma competitividade nociva no mercado”, diz.
As entidades destacaram para 2014, a aprovação do PNE como a primeira meta. Além disso, fica a tarefa de concluir a base nacional comum, o currículo nacional. "Precisamos ter clareza do que se tem que aprender a cada ano [na educação básica], precisamos de um debate mais adequado e estudos acompanhando esse processo", diz Priscila.

Fonte: EBC